Rainha dos teatros, boates e agora do cinema, Sharlene Esse é um dos maiores ícones trans do estado de Pernambuco. Com uma carreira que passa pelo Vivencial Diversiones, reconhecimento como primeira dama trans do teatro pernambucano e adoção como nova queridinha do audiovisual, a artista relembrou sua história e nos contou sobre presente e futuro. Com diversos séries, curtas e longas premiados e em circuitos de festivais, Sharlene também figura no badalado “O Agente Secreto”. Confira!
HISTÓRIA
“No meu colégio tinha um grupo de teatro, onde fui convidada para fazer um espetáculo. Sabe a sensação de quando você está em um lugar e você sente que ali é o seu chão? Foi isso! Depois disso fiz um curso de teatro na Casa da Cultura. A partir disso fui escolhida para fazer revistas, depois dramas, fui a Paris… A cara, o talento e o carisma, como um amigo me dizia, foram abrindo portas e janelas!”
“O meu DRT é o 212, do primeiro livro do Satete. Então… eu tenho história! Tenho a referência de ter vindo o Vivencial Diversiones, das revistas, dos dramas e das companhias que antes travestis não podiam trabalhar. Antes as travestis e gays só podiam ser vedete e bailarino, não dava texto para você. Em 87, você fazer uma mulher num espetáculo onde ainda tinha o ranço das pessoas não aceitarem… Então eu acho que essas marcas fizeram com que eu fosse chamada de Rainha Queer. Quando disseram eu perguntei: ‘isso quer dizer o quê? porque queen já não é Rainha?’ e me responderam: ‘ah, mas não é ueen, é queer!'”
TEATRO
“O teatro é uma coisa muito imediata. É ao vivo, é o que tem que ser. Então isso é uma coisa que só quem faz, só quem passa, sabe dar o arrepio que dá na pele. Tenho várias memórias marcantes sobre minha vida no teatro, mas acho que uma das mais marcantes foi quando o público ficou três minutos seguidos de pé em Paris no Museum do Couture des Mondes. Acho que isso é uma lembrança que vai ser eterna. Outro país, uma outra cultura e as pessoas ficam te aplaudindo por três minutos… É uma glória! É muito bom quando você tem essa retribuição do público. O calor do aplauso. Porque não tem nada mais revigorante para uma artista!”
“A troca com o público é o alimento do artista. Se não for assim, se você não tiver essa emoção, não adianta você estar ali em cima fazendo nada.”
O VIVENCIAL DIVERSIONES
“Eu conheci o grupo no finalzinho de 1979, mas só fui fazer parte em 1980. Tinha medo, por ainda ser de menor, mas Pernalonga, membro do grupo, me motivou a ir. Quando eu entrei, que eu vi a história, eu me apaixonei. Eu nunca tinha visto ninguém fazer arte plástica, ninguém dar um salto, ninguém vestir um vestido… Era uma coisa que eu imaginava, mas eu não tinha visto, não tinha presenciado. Fui convidada pra um show de calouros do vivencial, que foi muito bom, até me darem um texto.”
O PASSADO E O PRESENTE
“Ter sobrevivido à ditadura já é uma coisa a me orgulhar. Porque você fazer um espetáculo somente para duas pessoas, os censores, que ficavam lá com o texto na mão acompanhando para no final dizer se o espetáculo ia para estrear ou não, era algo difícil. Já hoje em dia, o que sinto falta para o teatro são as pautas e os teatros que não estão mais disponíveis. Antes eu passava anos com um espetáculo, enquanto hoje em dia geralmente fazemos duas apresentações. Não existe mais o mesmo incentivo de antes. Isso tem me deixado um pouco desanimada. A gente sente a necessidade de estar em um palco.”
“O que você tinha lá atrás, com toda aquela coisa da ditadura, com todo aquele preconceito, com toda aquela ignorância, com tudo que você tinha que ultrapassar, você hoje tem leis que te ajudam, que te protegem, mas onde estão os espaços para você se apresentar?”
A GAL DE PERNAMBUCO
“Inicialmente eu era conhecida como a Donna Summer oficial da Boate Misty. Porém, quando Gal Costa veio ao Teatro do Parque com o show Gal Tropical, eu me apaixonei. Fui ao show com o Múcio Catão e ele me olhou e disse: ‘você podia fazer ela muito bem! vamos fazer um teste?’. Ele me maquiou, arrumamos um figurino, decorei uma música e assim tudo se iniciou. Quando eu cheguei na boate que eu me apresentei, pronto: Foi o choque! E dessa forma já são cerca de 40 anos fazendo Gal Costa!”
O AUDIOVISUAL
“De 2000 para cá, o audiovisual me abraçou. Há cinco anos que eu estou no audiovisual, emendando, graças a Deus, um trabalho na outro. E agora começam os louros do que venho fazendo: O meu primeiro curta-metragem, que foi “Os Últimos Românticos do Mundo”, de Henrique Arruda, me fez vencer, no Rio de Janeiro, o troféu Madame Satã de melhor atuação. Quando você começa a ser reconhecida por um trabalho que você está fazendo, que é totalmente diferente do que você fazia, você passa a acreditar mais: ‘A véinha está rendendo ainda, né?’. Estou vindo agora de dois filme e duas séries, também com um grande projeto para iniciar em junho.”
O FUTURO DE SHARLENE
“Eu quero mais prêmios! Haha! Todos os filmes que fiz nos últimos anos estão nas cadeias de festivais, inclusive “O Agente Secreto”, no qual fiz uma participação. Também estou ansiosa para as outras duas ou três séries que vão entrar em circuito. Ainda tem o espetáculo Shá da Meia Noite. A expectativa está sendo ver o que foi feito e aprimorar para o que está vindo! Tudo é cansativo, mas é muito prazeroso. Não há glórias sem dores. Não é assim? E também não deixa de ser uma escola!”