aCena Recifense entrevista Irah Caldeira

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Iniciando nossa maratona de entrevistas juninas, batemos um papo especial com Irah Caldeira, uma das artistas responsáveis por manter viva a tradição do forró pernambucano. Confira:

Como a música surgiu na vida de Irah Caldeira?

R: “Eu nasci em Minas Gerais, me casando com 17 anos e sendo mãe aos 18. Só depois disso que veio essa história de cantar. Eu nunca cantei antes de ser mãe, apesar de ter uma família muito musical. Depois da maternidade é que veio a vontade de cantar e de descobrir na música algo prazeroso, então resolvi começar a ter aula de violão e tocar para fazer as crianças dormirem. A partir daí a música foi tomando conta de mim ao invés de eu tomar conta dela, o que foi difícil para uma menina do interior de Minas Gerais, criada para casar e ter filhos. Mesmo assim a música veio e eu comecei a cantar, inicialmente participando de uma banda de axé, depois participando de uma banda de baile, mas era tudo bem esporádico, o que não ameaçava minha vida como dona de casa. E assim aconteceu até que eu comecei a ser requisitada pelos bares e restaurantes da região. Diante disso, resolvi me profissionalizar e gravar um disco e, para tal, decidi vir a Pernambuco.”

“Em Minas eu cantava nos bares as músicas daqui e sempre me perguntavam: ‘você é nordestina?’ e eu respondia: ‘não, eu nunca nem fui ao Nordeste’. Porém eu tinha uma irmã que morava em Pernambuco, então era fácil o acesso até aqui. No final de 1998 eu cheguei em Caruaru e comecei a conhecer os compositores através da pesquisa para meu primeiro disco e, nessa viagem, tive a oportunidade de cantar nos meses de junho e julho no recém-inaugurado Shoppiwng Caruaru. Eu era uma mineira cantando forró em Caruaru em pleno mês de São João e isso deu no que falar!”

“Durante a minha pesquisa acabei conhecendo, por intermédio do artista Caxiado, nomes como Accioly Neto,  Maciel Melo, Petrúcio Amorim, Fátima Marcolino, filha do saudoso Zé Marcolino, compositor de ‘Sala de Reboco’, e vários compositores daqui. Nesse processo tive a oportunidade de escolher uma música de Accioly Neto, até então muito desacreditada, porque ela tinha uma temática muito diferente da linha que ele estava acostumado a cantar. Ele já havia mostrado essa canção para Santanna e para Maciel Melo, e os dois não gostaram da música, então quando eu a escolhi, ele achou estranho. Mas eu cismei com aquela música, que nada mais era do que ‘A Natureza das Coisas’, que entrou no meu primeiro álbum, lançado em julho de 1999.”

“O que me trouxe para Pernambuco? A música. A música me trouxe! São 26 anos de Pernambuco e tudo o que eu fiz foi feito aqui! Sou oficialmente cidadã Recifense, Caruaruense, Tabirense e Pernambucana!”

E como é ser uma mulher que canta forró? Você já enfrentou alguma dificuldade, algum preconceito desse meio?

“Olha, eu não vou dizer que sofri escanteio ou preconceito sendo uma mulher no meio do forró porque eu não dou ousadia para esse tipo de coisa, mas eu não vou negar que é um universo masculino. Outro dia uma coisa me chamou atenção: no mercado que eu vou tem um taxista que fica só tocando forró, ele só gosta de forró, mas eu nunca o vi tocar uma música de uma mulher. É uma coisa impressionante. É como se a gente tivesse ali de intrusa. Então não tem como eu negar que existe essa questão de ser um universo ainda masculino e que evidentemente quando essas coisas acontecem, infelizmente, acabam agredindo a todas nós de alguma forma.”

“Eu venho de uma geração que já não enfrentou tantas dificuldades, porque ali, nesse caminho que eu venho seguindo, já tinha passado Marinês, Elba Ramalho e tantas outras, assim como eu tenho certeza que nesses 25 anos de carreira, eu e as cantoras da minha geração (Nádia Maia, Cristina Amaral, Bia Marinho…) também deixamos um caminho menos árduo para Larissa Lisboa, Laís Senna, Sarah Leandro e as demais representantes da nova geração aí. Inclusive fico muito tranquila com essa turma toda abraçando o forró.”

Além de ser uma mulher cantando forró, você canta a vertente tradicional do gênero. Dito isso, eu gostaria de saber se você acredita que a cultura popular tem sido tratada da maneira que deve nos últimos anos quando a gente fala de São João.

“A gente dá sorte de que o que nós temos é muito forte, pois apesar das dificuldades, o forró é forte e está em todo canto. O legado do forró não vai acabar, porém eu acho que ele é maltratado. O forró fica o tempo todo lutando contra a maré porque os próprios gestores não facilitam e não conseguem compreender a riqueza dele como produto que atrai o olhar, o turismo. Isso é algo que eu lamento muito, não só por mim, mas por todos os artistas e pela cultura, porque é a história de um povo sendo renegada. O forró ainda vai chegar nos nossos filhos e netos, mas deveria chegar de uma forma muito mais leve.”

Apesar das problemáticas que a gente está citando aqui, você possui uma agenda lotada para o São João. Como é lidar com uma agenda tão cheia nesses períodos juninos e aproveitar para perguntar quais são as expectativas para o que ainda está por vir nessa jornada.

“O nosso São João começou no dia 23 de abril, no São João da Roça, projeto itinerante de Caruaru que passa por vários distritos e comunidades onde o acesso não é tão fácil. Também já passamos por Palmares, Aracajú… e logo mais Gravatá, Petrolina, Recife… É tudo bem puxado, mas, ao mesmo tempo, a gente espera e se dedica para isso. A agenda de São João ainda é o que nos sustenta durante o ano inteiro. Por mais que a gente trabalhe todo mês, graças a Deus como eu faço, quando chega nessa temporada, acontece, de fato, a colheita do milho. A gente plantou as sementinhas lá e agora vamos colher. E para que a gente consiga fazer essa colheita, a gente precisa cuidar de tudo: repertório, figurino, saúde, alimentação, fono, ensaios… É um processo extremamente cansativo, mas que, ao mesmo tempo, é prazeroso e nos deixa com um sentimento imenso de gratidão!”.

E, por fim, para acompanhar essa maratona de shows juninos, você lançou recentemente o single “Até se Derreter.” Queria que você falasse um pouquinho sobre ele.

“Essa canção foi escrita pelo meu marido, Biguá, que é um grande compositor. Aqui em casa a gente comunga dessa veia do forró, da música de qualidade e da poesia. Então ‘Até Se Derreter’ foi um presente para mim. Ele sentou no nosso sofá e começou a escrever. De Biguá também vieram outras músicas minhas, como é o caso de ‘Incendeia’, além de sucessos de outros artistas, como ‘Maria Forrizeira’, com Elba Ramalho e ‘Risca Faca’, sucesso com Aviões do Forró.”

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